Tenho inveja. Invejo os que se deitam e ainda os lençóis não estão quentes já o comboio assobia avançando para novas estações.
Eu fico parada. Espero que um novo comboio carregadinho de sono apareça. Aguardo muda e quieta. Tento não me mexer para não o espantar. Observo o enorme relógio da estação que me mantém alerta ao passar do tempo. Vejo, ao longe, denso fumo e penso que é desta. Quando, no escuro, a visão clareia percebo que é um daqueles rápidos que não param. Uma ventania revolta-me os cabelos e as palavras que se iam arrumando no meu cérebro. Agora estão soltas num remoinho frenético. Tento ajuntá-las, arrumá-las e aquietar a mente para receber o sono.
Lá me encosto de novo no banco das almofadas e espero. Já o convidei faz tempo e nada!
Vejo de novo, ao longe, nuvens de cinza. O coração dispara de esperança. O comboio abranda e finalmente consigo entrar. Encosto-me, certa que o embalo me fará adormecer e poderei descansar. Assim que relaxo as pálpebras, sou surpreendida por uma acervada agitação. Estupefacta percebo que é um comboio em completa celebração.
Todos reunidos, em grande paródia, cantam, dançam, comem, bebem, riem e divertem-se. Sou a anfitriã e não sabia! Rio-me com a situação. Era uma festa surpresa. Conformo-me e permito-me festejar.
Um dia ainda consigo apanhar o comboio da meia-noite.