A noite fugia e levava o whiskey com ela. O peso das memórias afundadas entre as mãos teimava em sair, mas para onde? Quem é que queria saber? Acompanhado unicamente de si e de uma garrafa traiçoeira escrevia. As linhas sinuosas e frases encavalitadas saltavam para o papel amarelado e enrugado como as mãos de quem o escrevia. Doía-lhe despejar a amargura e confessar-se àquela folha submissa, mas queimava mais no peito não o fazer. Noites claras de escuridão profunda que terminavam sempre iguais. Cinzeiro lotado de beatas amargas impregnavam o ar e pesavam-lhe nos ombros. Dobrado pela vida e fustigado pela solidão encontrava o seu único refúgio na poesia que derramava abruptamente. Palavras ilegíveis e pontuações desnecessárias que terminavam habitualmente amachucadas em tacos de madeira gastos e baços. Faltava-lhes cor, brilho, orgulho, sonhos, fé, amor. Faltava-lhe o fôlego da vida. A morte batia-lhe à porta e era uma questão de tempo até ele a deixar entrar.

Fantástico momento poético… Li no texto uma das minhas personagens, Sírio de Andrade
GostarLiked by 1 person
Estamos em sintonia 😃
GostarLiked by 1 person