Na escuridão das trevas
Das noites infindáveis
Passadas em caves esconsas
Com cheiro a mofo
Negros e confusos labirintos
Humidade entranhada em longos túneis
Esgotos putrificados
Becos e cavernas sem fim
Sobrevoados por corvos
Povoados de morcegos, ratos e cobras
Caminhos sinuosos que conduzem ao fundo do poço
Mentes trôpegas facilmente ludibriadas
Escondidas da luz do dia
Subsistem na podridão do bolor
Assim vivem por décadas
Até decidirem morrer ou voltar a existir
A custo saem da lama peçonhenta
Rasgam as vestes contaminadas
Cortam com a decomposição
Lavam-se do fedor
Emergem para o sol
Cobrem a vista
Aguentam a dor
Transformam demónios em anjos

Existem alturas na vida em que passamos por buracos negros. Zonas turbulentas de dor, confusão, dúvida, impotência, solidão, frustração e tristeza. Não é fácil estar num túnel sem luz à vista. Dói sentir que estamos sós no lodo. Aparentemente não, mas no fundo sentimos que sim. Custa querer sair de uma situação, mas não saber como. Imaginamos estar num filme do Indiana Jones em que as paredes e o teto começam a encolher, a espremerem-nos, com répteis e insetos por todo o lado, para ajudar. Felizmente, assim como no filme, a situação não dura para sempre. A dificuldade em sair desses labirintos confusos; a força e a coragem necessárias para matar demónios; alterar a vida… não é fácil, nem acontece de um dia para o outro. Cortar com o que não nos faz bem, com o que nos tira o brilho de viver mas ao qual estamos habituados e, às vezes, imaginamos até que estamos condenados. Que merecemos aquela situação, que somos culpados e que somos dignos desse castigo. Essa autopunição atrasa a libertação. Pensar que as trevas talvez sejam a nossa sina até ao fim. Nestes casos, há uma falta de amor próprio, necessário para vermos as coisas como são. Essa consciência tem de ser tomada e passo a passo ir cimentando um novo “eu” com trabalho interno profundo. Nem sempre todos conseguem libertar-se sozinhos das amarras e conquistar esse amor perdido. Por vezes, é necessário aceitar ajuda externa. Seja como for, a escolha tem de partir de dentro. A tomada de consciência de que não se quer continuar no meio do mofo e da humidade; urge a luz solar. Esse primeiro passo é o mais importante para começar a resolver os problemas, um a um, e aos poucos sair do buraco. Tudo tem solução, menos a morte. Vale a pena o esforço. Enquanto há vida, há possibilidade de mudança, de alterar o que já não nos serve; romper o casulo, sair para o dia e apreciar as lindas cores de um arco-íris.