
O olhar pousou petrificado no dele, a respiração susteve-se e o coração parou de bater para arrancar, em seguida, como um cavalo veloz.
Deixei de ouvir a música, de ver as luzes, fiquei sem chão. Felizmente, estava sentada e encostada ao balcão.
Senti que também lhe causei uma sensação forte, mas sem certeza de qual. Aquele rosto desconhecido era simultaneamente familiar; a cor e o brilho daquele olhar sabia-me a conforto e, também, a desejo.
Ele foi-se aproximando. Ouvia o meu coração a bater e a ressoar por todo o espaço; senti-me a corar, o calor a invadir-me o corpo e desviei o olhar, de novo, para o copo.
Ele sentou-se no banco mais perto e disse “boa noite”. Com a voz trémula e baixa consegui responder o mesmo, sem levantar a cabeça . De seguida, virou-se para o empregado e disse: “quero o mesmo que ela e sirva-lhe mais um.”
Enquanto tentava recompor-me do caos que aqueles sentimentos díspares ocupavam dentro de mim, ele disse:
⁃ Sou o Miguel. Tu és a Ana, não és?
⁃ Sou – disse, espantada, encarando-o.
⁃ Foste criada num orfanato, desde bebé, certo?
⁃ Como é que sabes? Quem és tu?
⁃ Sou o teu irmão gémeo. Fomos separados poucos tempo depois do nascimento. Eu fiquei com os nossos pais biológicos e tu foste…
⁃ Abandonada? – perguntei, interrompendo-o.
⁃ Os pais viviam numa aldeia, eram muito pobres, contavam em ter um único filho e quando surgiste depois de mim… foi… foi complicado…
⁃ Complicado?
⁃ Sim, a mãe morreu poucos dias depois derivado a complicações do parto e o pai ficou sem saber o que fazer à vida. Escolheu ficar comigo porque, como rapaz, sempre ajudaria mais na lavoura e, na altura, a parteira disse que conhecia um casal com muito dinheiro que queria uma filha e podia pagar…
⁃ Fui vendida…?!
⁃ Eras para ser, mas o casal acabou por ser descoberto e arranjou problemas com as autoridades. A venda ficou sem efeito e tu acabaste num orfanato. O nosso pai, antes de morrer, contou-me tudo e eu fui procurar, investigar e consegui descobrir-te! Vais ter uma boa vida, daqui para a frente, não te vai faltar nada, vou cuidar de ti… mana!