Finjo acreditar e permito-me embalar na tua conversa meiga. Vais-me conduzindo na tua Harley. Deixo a brisa entreter-se com os meus cabelos. Sorrio. Gosto de ver até onde vai a imaginação e a persuasão humana. De vez em quando, concordo que os meus braços te envolvam. Sei que te faz sentir homem.
Paramos para um café. Apenas mais uma desculpa para me tentares enlaçar. Deixo que o cowboy que há em ti se sinta no controlo. Rio-me como se me fizessem cócegas. Consinto que os meus olhos ternos fiquem embevecidos e, sem palavras, convenço-te do que quero. Achas que quero mais do que tu. Achas que a minha expressão corporal é natural. Costuma ser. Excepto quando sinto que me estão a conduzir docemente a um precipício. Deixo-me ir. Dou-te corda. Gosto de estudar a mente, observar as pessoas, ver como reagem e até onde vão. Então, aproveito o palco e faço o meu papel. Donzela frágil, carente, crédula e ansiosa de um largo ombro másculo. De um anjo salvador.
Gostas de brincar. Eu, às vezes, também. Quando tenho tempo.
Sou a mulher perfeita. Quando quero.
Chegamos à beira do abismo. Quando estás totalmente convencido de me teres onde queres… Não te empurro, não salto, não te desmascaro… não. Com a lua crescente nos lábios digo-te: “tenho de ir fazer xixi, mas volto já”.
Só que não.
Amarrotados
Mentiras escancaradas
Em processos obsoletos
Leis feitas por alfaiates
Antecedendo os esqueletos
Daqueles que ficam
De mãos atadas a ver
Incrédulos com tanta impunidade
De tantos amigos corromper
Riem, comemoram
Sem vergonha de atiçar
Orgulhosos de si
E de uma nação inteira enganar
Continuem a roubar
Que nós pagamos
Mas cuidado a semear
O Zé Povinho não calamos
Parvos não somos
Mas continuam a insistir
Não se admirem um dia
Ver a barraca a cair
O cheiro a café abraçava o espaço e fazia-a despertar com um sorriso. Espreguiçava-se sentindo aquele aroma caseiro que tanto adorava. Precisava daquele líquido como se de um vício se tratasse. A mãe sabia e fazia questão de lhe preparar o néctar com todo o amor. Isso tornava-o diferente dos outros. Aqueles grãos eram iguais mas o caráter era único. Assim que o líquido a beijava nos lábios e o perfume invadia ainda mais o olfato, o mundo parava. Aquele momento era ouro negro reluzente. O prazer invadia-lhe o palato e descia como um riacho que segue o seu percurso sem enganos. O impacto final culminava em total conforto. Era como um sofá acolhedor que nos envolve e protege, cheio de almofadas quentinhas e fofas. Sorria de novo e agradecia, aconchegando mais a chávena nas mãos.
Não sei de onde vem
Esta difusa insatisfação
Nem sempre presente
Mas que me deixa ausente
De mim, de ti
Do que tenho
Do que quero
E tenho tanto
Quero mais
Mais o quê?
Nem sei
Já tenho tudo
Quer estar e quero ir
Mergulhar e voar
Apregoar e calar
Estagnar e fluir
Quero o que sou
Almejo o que não sou
Estou aqui mas não estou
Normalmente, vemos o mundo e os outros segundo o nosso vitral. Uns têm-no mais colorido e limpo, outros mais baço, escuro ou até rachado. Quem tem a sua visão mais bela e pura vê também essa beleza e brilho ao redor. Outros, veem a preto e branco ou são mesmo cegos. Na mente. Têm o prisma cardíaco cinzento como a massa que os rege. Dois seres assim dificilmente conseguem manter uma relação saudável porque nunca veem o mesmo. O daltónico observa o arco-íris a preto e branco, enegrece-o e este vai morrendo aos poucos pela falta de luz e cor.
Cada um tem o poder de embelezar, ou não, a lente através da qual vê a vida. Cabe ao próprio dispor-se a isso.
Encontra alguém que brilhe como tu e que faça o teu vitral sobressair ainda mais!
A noite era madrasta e previsível. Suor em sangue denotava a gravidade do que se aproximava. Outros dormiam, ele orava. Pedia saída mas dispunha-se e confiava. A aflição não o abandonava. Sabia desde há muito; tinha vindo com esse propósito. Temia o vitupério do Maior Nome. Traído por trinta moedas e um falso beijo. Prestes a ser preso restabelece, milagrosamente, a orelha cortada ao escravo do sumo sacerdote que o acusava.
Qual de nós o faria? Ninguém.
Carne rasgada em horas cuspidas, chicoteadas e marteladas até à estaca de tortura. Coroa de espinhos, enterrada, escarnece-o. Madeiro padrasto cravado em Golgotá; inocente entre criminosos encaixado. Em extrema dor pede ao Pai que perdoe os soldados, pois estes “não sabem o que fazem”. E não sabiam.
Mas, qual de nós o faria? Ninguém.
Como mãe, sinto um murro no peito só de imaginar a dor de Maria, que assiste à violenta morte do seu querido filho.
Sacerdotes mentirosos que em vez de defenderem, acusam, instigam e matam. Romanos que seguem a ordem de Pilatos para a inscrição na madeira: “Jesus, o Nazareno, Rei dos judeus”, mostrando assim o desprezo deste governador pelos judeus, que afinal mataram o Seu Salvador.
Gratidão é o mínimo que devíamos demonstrar por tal ato de amor altruísta. Deu a vida por todos para que todos aqueles que nele exerçam fé possam ter vida eterna.
Qual de nós o faria? Ninguém. Só o maior homem que já viveu.
A noite fugia e levava o whiskey com ela. O peso das memórias afundadas entre as mãos teimava em sair, mas para onde? Quem é que queria saber? Acompanhado unicamente de si e de uma garrafa traiçoeira escrevia. As linhas sinuosas e frases encavalitadas saltavam para o papel amarelado e enrugado como as mãos de quem o escrevia. Doía-lhe despejar a amargura e confessar-se àquela folha submissa, mas queimava mais no peito não o fazer. Noites claras de escuridão profunda que terminavam sempre iguais. Cinzeiro lotado de beatas amargas impregnavam o ar e pesavam-lhe nos ombros. Dobrado pela vida e fustigado pela solidão encontrava o seu único refúgio na poesia que derramava abruptamente. Palavras ilegíveis e pontuações desnecessárias que terminavam habitualmente amachucadas em tacos de madeira gastos e baços. Faltava-lhes cor, brilho, orgulho, sonhos, fé, amor. Faltava-lhe o fôlego da vida. A morte batia-lhe à porta e era uma questão de tempo até ele a deixar entrar.
Não consigo fixar-me em rotinas. Dizem-me para criar um logotipo, um estilo de publicação que me identifique logo, mas não consigo. Se calhar um dia… É que eu gosto da variedade, do diferente, da surpresa. Não gosto de coisas muito programadas, estudadas, previsíveis. Gosto da diversidade, do poder de escolha, conforme a disposição. Sou fã da espontaneidade, da simplicidade, do puro. Daquilo que sai do coração sem pensar muito. Gosto do preto e branco, mas gosto mais do arco-íris. Um molde? Não tenho. Um modelo? Nop. Um ídolo? Também não. Gosto de tanto e tão variado. Tantos livros, tantas músicas, tantos poetas, tantas comidas, tantos condimentos, tantas cores, tantas danças, tantas raças, tanta línguas, tanta diferença e, para mim, isso é o que torna a vida tão bela.