A noite espalhada no alcatrão refletia o sentimento que lhe consumia o peito. Passava pouco da uma da manhã. O prédio da frente espreitava por entre as cortinas do quarto. Parecia sussurrar-lhe algo, apesar do silêncio desmedido. As janelas escuras, sem estores, afiguravam olhos encovados atentos à vida que, naquele momento, era nula. Pareceu-lhe ver qualquer coisa numa das janelas do primeiro andar. Talvez reflexo de algum farol de um carro que apareceria em breve, mas não. A estrada não se mexeu. Impossível, pensou. A viúva morrera sem deixar herdeiros e sempre vivera sozinha, pelo menos nos últimos vinte anos. Arregalou mais os olhos, fixou-os e susteve a respiração; como se ajudasse a apurar a visão. Nada. A casa acusava o gasto dos anos e desde o falecimento da dona que se tornara ainda mais abatida. Decidiu correr as cortinas e deitar-se. Ouviu um ruído no andar de baixo. Teria deixado alguma janela aberta? Decidiu verificar e desceu. Para seu espanto, a porta da rua estava entreaberta e balançava suavemente com o vento. O ciciar das árvores ecoava pelo hall. Arrepiou-se e sentiu o tórax acelerado. Espreitou a rua, não viu nada, trancou a porta. Tentou recordar-se, quando entrarara, se a tinha fechado; tinha quase a certeza que sim mas, desde que a depressão se instaurara, tinha algumas perdas de memória. Um novo ruído vindo da cozinha congelou-a. Sentia o coração a bater-lhe nas orelhas enquanto pensava o que fazer. Decidiu, a custo, avançar lentamente. O ranger das tábuas velhas denunciavam-na e obrigavam-na a abrandar, ainda mais. O batimento cardíaco parecia o pulsar das paredes. Estancou na entrada. A luz ténue vinda da janela das traseiras iluminava apenas um feixe da bancada de pedra. Todo o resto dormia. As panelas e utensílios arrumados e alinhados sobre o lava loiça estavam iguais ao costume. Mas algo diferente naquele quadro chamou-lhe a atenção. Uma mancha escura pincelada no chão de azulejo. Fremia sobremodo, num êxtase nervoso que a impedia de respirar. Acendeu a luz e horrorizada percebeu que era um rasto de sangue. Ainda fresco. Quem está aí, atreveu-se, tremulamente, a perguntar. Silêncio. Os rasgos iam na direção da dispensa…
Desafio para setembro – Quem conta um conto acrescenta um ponto.
Vou contar-vos um conto e desafio-vos a acrescentarem todos os pontos que quiserem para continuarem a história. A primeira parte está feita, a segunda fica na vossa imaginação. Bora lá!
