Apresentação de obra literária

Dia 11 de maio, às 15h, vou ter os melhores comigo!

A apresentação do meu último livro, “Cinco Contos te Conto”, será feita pelo artista plástico, e fundador da Amarte, Jaime R Ferreira.

A terapeuta do Neurodesenvolvimento, Marcia Ferreira – Paralympic Sport Director, dará a sua visão sobre o meu segundo livro, “O irmão de Sofia”, abordando a temática da inclusão, preconceito e educação na Trissomia 21.

Eu falarei um pouco da história por trás dos três, com especial enfoque no premiado 777, o primeiro.

A reconhecida professora, escritora e poetisa Luisa Ramos fará uma interpretação de um dos meus contos, assim como o arquiteto, escritor, poeta e diseur Nuno Sousa.

O mesmo acontecerá com outros dois contos que terão as fantásticas performances da engenheira, escritora e poetisa Sandra Ramos, e da professora, diseuse, autora e poetisa Susana Pires.

Durante a apresentação, a artista plástica Manuela Pratas pintará um quadro alusivo à literatura, que será leiloado e a totalidade do valor entregue à CERCISA.

A ligação das artes, dos artistas, da cultura, da pintura e literatura estarão unidos numa tarde única na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

Um agradecimento especial à outra fundadora da AmArte, Irina ArtemUsa Fineart, que proporcionou este evento e elaborou o cartaz da apresentação.

Apresentação de obra literária

Dia 11 de maio, às 15h, estarei reunida com outros autores, artistas plásticos e pessoas ligadas à arte e à educação para apresentar o meu trabalho literário.

O local é a Biblioteca/Espaço Cultural Cinema Europa, em Campo de Ourique.

São três livros distintos e serão abordados de diferentes perspectivas.

O livro “Cinco Contos te Conto” será interpretado de forma inédita, com performances únicas, por parte de quatro excelsos autores.

Não faltem!

Dia Mundial da Dança

Dança
Mesmo que não saibas dançar
Dança
Mesmo que só tu oiças a música
Dança
Mesmo que mais ninguém o faça
Dança
Mesmo quando não te apetece
Dança
Mesmo que estejas triste
Dança
Mesmo que te critiquem
Dança
Mesmo que te enganes
Dança
Mesmo que não saibas a coreografia
Dança
Mesmo que não tenhas um estilo
Dança
Mesmo que te doam os pés
Dança
Em dias de chuva
Dança
Em dias de sol
Dança
Porque quando danças
És feliz

Sozinha

Primeiro conto do livro “Cinco contos te conto”

A noite espalhada no alcatrão refletia o sentimento que lhe consumia o peito. Passava pouco da uma da manhã. O prédio da frente espreitava por entre as cortinas do quarto. Parecia sussurrar-lhe algo, apesar do silêncio desmedido. As janelas escuras, sem estores, afiguravam olhos encovados atentos à vida que, naquele momento, era nula. Pareceu-lhe ver qualquer coisa numa das janelas do primeiro andar. Talvez reflexo de algum farol de um carro que apareceria em breve, mas não. A estrada não se mexeu. Impossível, pensou. A viúva morrera. Arregalou mais os olhos, fixou-os e susteve a respiração, como se ajudasse a apurar a visão. Nada. A casa acusava o gasto dos anos e desde o falecimento da proprietária que se tornara ainda mais abatida. Decidiu correr as cortinas e deitar-se. Ouviu um ruído no andar de baixo. Teria deixado alguma janela aberta? Quis verificar e desceu. Para seu espanto, a porta da rua estava entreaberta e balançava suavemente com o vento. O ciciar das árvores ecoava pelo hall. Arrepiou-se e sentiu o tórax acelerado. Espreitou a rua, não viu nada. Trancou a porta. Tentou recordar se quando voltara de despejar o lixo a tinha fechado; tinha quase a certeza de que sim. Um novo ruído, vindo da cozinha, congelou-a. Sentia o coração a bater-lhe no queixo, enquanto pensava o que fazer. Decidiu, a custo, avançar lentamente. O ranger das tábuas de madeira obrigavam-na a abrandar, ainda mais. O batimento cardíaco parecia o pulsar das paredes. Estancou na entrada. A luz ténue vinda da janela das traseiras iluminava apenas um feixe da bancada de pedra. Todo o resto dormia. As panelas e utensílios arrumados e alinhados sobre o lava-loiça estavam iguais ao costume. Mas algo diferente, naquele quadro, chamou-lhe a atenção. Uma mancha escura pincelada no chão de azulejo. Fremia sobremodo, num êxtase nervoso que a impedia de respirar. Acendeu a luz, e, horrorizada, percebeu que era um rasto de sangue, ainda fresco. «Quem está aí?», atreveu-se, tremulamente, a perguntar. Silêncio. Os rasgos iam na direção da despensa…

Não sabia se conseguia avançar, os nervos tolhiam-lhe os movimentos. Perguntou, de novo, «Quem está aí?». Ouviu-se um som abafado, vindo da despensa. Decidiu deslizar até à bancada e retirar uma faca do suporte. Logo que a agarrou, ouviu um estrondo que a fez saltar e estancar. De faca em riste, foi tentando perceber o que era. A porta da despensa abriu-se, lentamente, estava tudo escuro e não se via nada, nem ninguém. A cozinha inteira parecia latejar ao ritmo do cérebro. Pressentia a presença de outra vida, mas não conseguia ver vivalma. Esperou, sem sair do lugar. Poucos segundos depois, surgiu um gato preto. Grande, de olhos amarelos, fitou-a. Lambeu os bigodes, e quando ela se começou a aproximar, fugiu de um salto e não o voltou a sentir. Acendeu a luz do pequeno compartimento onde culminava a esteira de sangue. Horrorizada, viu aquilo que aparentava ter sido uma ratazana. Estava desfeita. Levou uma mão à boca, para suster o vómito. Correu para a torneira, molhou o rosto e bebeu água. Agarrou num dos seus comprimidos e tomou. A seguir, encheu um copo com whisky puro malte, duas pedras de gelo, e foi bebendo, enquanto chamava pelo gato. Percorreu todos os cómodos e nem sinal do bicho. Cansada, e já sob o efeito da medicação, deitou-se no sofá. Adormeceu com a habitual companhia retangular.

O dia amanheceu amuado e Fedra com uma dor de cabeça maior do que as habituais. Acercou-se da janela, desviou o cortinado e examinou a rua. Um casal passeava do outro lado do passeio, com uma criança pela mão. A menina pareceu ter-se sentido observada e, virando a cabeça, olhou para ela. Automaticamente, Fedra deu um salto para trás, largando a cortina. Sabia que era feio espreitar os outros. O psicólogo insistia em que ela deixasse de ficar obcecada com o que se passava no exterior, que se concentrasse no seu tratamento e em tentar ultrapassar os seus medos e fobias. Não saía de casa há mais de um ano. Não conseguia, nem via necessidade disso. Ali, estava protegida. As cartas eram colocadas no correio, as compras do supermercado e da farmácia eram entregues ao domicílio, o lixo era colocado rapidamente no caixote à porta de casa e, de resto, não precisava de mais nada. As consultas eram feitas na sala de estar. Por vezes, nem o robe tirava. Lia, via televisão, ouvia rádio, mas o seu maior interesse era ver o que se passava para lá dos vidros.

Em tempos, o prédio da frente tinha criado nela essa atração. O filho da viúva, depois da morte do pai, mudara-se para a casa da mãe para a ajudar. Era um homem esbelto, educado e, aparentemente, muito dedicado à progenitora. Preparava-lhe sempre um chá a meio da tarde e presenteava-a com uns bolinhos frescos, que trazia de manhã quando ia buscar o pão, ou uma fatia de bolo caseiro que lha dava aos fins de semana. A curiosidade foi aumentando à medida que os foi observando mais, chegando a comprar uns binóculos, que mandou vir pela internet. A partir dessa altura, passou a perceber que o filho deitava umas gotas de qualquer coisa no chá, antes de o entregar à mãe. Inicialmente, deduziu que se tratava de um remédio. Ao longo de cinco meses, a mulher foi definhando. Ganhou uma cor pálida, que passou a azulada.

Quantas vezes ela quis tocar à porta da senhora, depois de ver que o filho saía para o trabalho, mas não conseguiu. Faltava-lhe a coragem para por um pé no passeio. Ao fim de quase um ano, a viúva parecia um esqueleto e faleceu. Uma senhora de idade, é certo, mas ativa, e, aparentemente, de boa saúde, até o filho começar a cuidar da sua alimentação. Na sua cabeça, o que acontecera era óbvio.

Naquela tarde, confirmou-se o que esperava. Uma tabuleta com a inscrição «Vende-se» foi colocada na janela da sala de estar.

Viu o filho, juntamente com outro homem, a entrarem. Aparentava ser alguém de uma imobiliária. O filho devia precisar da herança e do dinheiro da mãe. Não pôde esperar que ela falecesse naturalmente.

Enquanto colocava a placa contra o vidro, o proprietário olhou para ela e acenou a cabeça como se a cumprimentasse. Ficou horrorizada, pois achava que sempre tinha passado despercebida. Nunca acendia as luzes e ficava numa cadeira, razoavelmente afastada da janela.

Passados uns quinze minutos os dois homens saíram e cada um entrou no seu carro. O prédio voltou a adormecer. Ela não. A imagem do filho a olhar para ela, tinha-a perturbado. Desceu à cozinha para comer qualquer coisa e tomar a medicação. Deparou-se com o rastilho seco da ratazana e um cheiro nauseabundo. Nunca mais se lembrara. Colocou um pano à volta do nariz e da boca, calçou umas luvas de borracha e limpou tudo. Colocou os restos do animal num saco fechado, abriu a porta da rua e foi rapidamente até ao caixote. Voltou e enfiou-se na banheira; sentia-se imunda. Enquanto bebia o seu líquido preferido, olhava para a espuma que a rodeava. Parecia criar formas assustadoras. Caras deformadas que a contemplavam e pareciam rir. Riam-se dela, às gargalhadas, cada vez mais alto, até se calarem, repentinamente, com um estrondo. Parecia vir, novamente, da cozinha. Despejou a água, lavou-se e limpou-se apressadamente. De robe e chinelos, desceu, cautelosamente, a escada de madeira, perguntando «Está aí alguém?». Não obtendo resposta, avançou cautelosamente até à cozinha. Não queria acreditar: o mesmo cenário. Um trilho de sangue que desaparecia na despensa.

– Outra vez tu, gato? – perguntou, com a voz a tremer.

Agarrou no puxador, devagar, e, enquanto abria lentamente a porta, espreitava para o interior.

– (gritos)

O gato preto saltou-lhe em cima, com o susto desequilibrou-se e caiu para trás, em cima do sangue. Voltou a gritar mais, enquanto olhava para as mãos ensanguentadas. O bicho passou por ela a correr. Novamente, outra ratazana estraçalhada jazia no chão. Desta vez, decidiu limpar logo tudo e voltar a enfiar-se na banheira; o mais rápido possível. Não deu por o gato sair, nem sabia sequer como tinha entrado. Decidiu lavar-se, enquanto pensava no assunto. Desta vez, tomou um duche sempre com água corrente e sem espuma. Terminou a bebida assim que terminou o banho. A única hipótese era o gato entrar e sair quando ela ia despejar o lixo ou, sem querer, não fechava bem a porta e ele aproveitava para se esgueirar. Deitou-se extenuada no sofá a ver televisão. Já deviam ser umas nove da noite. Adormeceu. A garrafa abraçava-a.

Acordou às três da manhã, suada, com o coração a bater fora do peito. O pesadelo de sempre. Havia perto de uma semana que não o tinha. Tomou dois dos seus comprimidos com uns goles de whisky. Foi espreitar a rua enquanto tentava acalmar-se e respirar fundo. A tabuleta que dizia «Vende-se» estava ao contrário, de pernas para o ar. Esfregou os olhos e olhou melhor. Foi buscar os binóculos e confirmou o que via. Como é que isso tinha acontecido? Teria o dono voltado a casa e mudado? Com que intenção? Não fazia sentido. E se fosse o gato? Mas, como é que ele entrava? E como conseguiria colocar a placa tão direita? Se lhe desse uma sapatada, ela teria caído e não se invertido. Todas estas dúvidas circundavam a mente inquieta de Fedra. Precisava de água. Desceu as escadas, agarrada ao corrimão, lentamente, conduziu-se até à cozinha e encostou-se à bancada, enquanto enchia um copo. Bebeu-o sofregamente, apagou a luz e, enquanto se dirigia para as escadas, pareceu-lhe ver dois olhos amarelos a fitarem-na no corredor. Desapareceram em seguida. Subiu e afundou-se no sofá. Havia tempo que preferia não sentir a cama. Desde aquele dia que se foi desabituando. Bebeu até voltar a adormecer.

Dia de consulta. O médico ligou-lhe antes a confirmar. Fedra arrumava sempre as garrafas e copos que se iam espalhando pela pequena mesa de centro, ao longo da semana. Não sabia bem porquê, afinal acabava sempre por confessar-lhe o delito. Ele já a avisara, várias vezes, sobre o efeito indesejado das misturas com o álcool. Além de que, assim, ele não conseguia avaliar o real efeito do tratamento. Mais uma vez, pediu-lhe para não sabotar a terapêutica e reviveram, novamente, aquele dia. A intenção era resolver o passado para poder viver o presente e planear o futuro. O médico dizia-lhe que assim não a conseguia ajudar, ela tinha de colaborar; não ingerir bebidas alcoólicas era parte importante dessa cooperação. Ela dizia-lhe que sim. A seguir, trabalhavam a questão de sair à rua. Depois de ele ir, ficava a promessa de mudança.

Terminada a sopa e a fruta do jantar, Fedra sentou-se na cadeira indiscreta. Os binóculos procuraram-na e juntos decidiram passar algum tempo. Durante os primeiros dez minutos, nada aconteceu, apenas alguns carros passavam. Sem saber porquê, começou a sentir-se agitada, inquieta, a suar, a tremer. Tomou mais um dos comprimidos da noite. As memórias começaram a assolá-la. Queria dissipá-las, não conseguia. O ar começou a sufocá-la e a apertar-lhe os pulmões. Sentia as lágrimas rolarem-lhe pela face e a desaguarem no peito, que arfava veloz.  Procurou debaixo do sofá, encontrou-a e levou-a à boca. O líquido quente alargou-lhe a garganta, desentupiu-lhe os brônquios e começou a respirar melhor. Deu mais três goladas. Sentou-se, sentiu as imagens a esfumarem-se e o corpo a acalmar-se. Já não largou mais a garrafa de malte, até terminar. Adormeceu por umas horas e acordou com a garganta seca. A madrugada já ia avançada e ela decidiu voltar a visitar a noite. A lua cheia iluminava completamente a Roosevelt Street que, apesar da claridade, parecia dormir. Para seu espanto, viu o gato preto à janela onde a viúva costumava apanhar um pouco de sol. Estava a lamber-se. O coração disparou e fê-la gelar. Sentiu um arrepio a invadir-lhe a coluna e a espalhar-se por todo o corpo. Começou de novo a tremer; procurou a garrafa, estava vazia. Afastou-se da janela, largou os binóculos e perscrutou todos os móveis da sala. Nem uma pinga de álcool. Desceu apoiada, com a respiração cada vez mais despachada na necessidade urgente de chegar à cozinha. Tinha quase a certeza de que haveria alguma garrafa de whisky, vodka, gin, vinho, licor ou qualquer outra coisa que a ajudasse. Naquele momento, era indiferente. Depois de revistar, sem sucesso, todos os armários superiores e inferiores, na bancada, por trás das panelas e junto ao caixote do lixo, restava-lhe apenas a despensa. O medo chegou na forma de pequenos sismos, sentidos por todo o corpo, de tal maneira que parecia que toda a casa estava a sofrer um tremor de terra. O abalo era tão forte, que mal conseguia andar. Teve de se agarrar à bancada central de mármore, para, com pequenos passos, alcançar a maçaneta da porta. Pareceu-lhe mais gelada do que o normal; passou as mãos na testa e no rosto, limpando pequenas gotas de suor. Respirou fundo e colocou novamente a mão no puxador, ligou o interruptor e rodou o globo metálico. A porta rangeu, como se estivesse a queixar-se. Lá dentro, Leonard olhava-a, com o gato ao colo. O coração estalou e ela caiu desmaiada.

O cheiro a amoníaco pairava no ar. Aos poucos, foi abrindo os olhos e apercebendo-se do branco imaculado em torno. Pensou se seria ali o céu. Um vulto foi ganhando forma e cor. Um médico de bata e touca verde olhava, ora para ela, ora para um monitor ao seu lado. Saíam-lhe fios dos braços. Sentia-se fraca e zonza.

– Não se preocupe, agora está bem e supervisionada. Não precisa de ter medo, vamos cuidar bem de si.

– Pode dizer-me o que aconteceu? – balbuciou.

– A senhora desmaiou e, por sorte, o seu médico, como não lhe atendeu o telefone, chamou logo os bombeiros e entraram em sua casa. Encontraram-na caída no chão da cozinha. A senhora sofreu um trauma muito grande e esteve em coma um mês.

– Um mês?

– Sensivelmente, sim. Nesse ínterim, foi-lhe feita uma desintoxicação e administrado um tratamento para pessoas que sofreram choques traumáticos muito profundos e que não conseguem ultrapassá-los de outra maneira.

– Quando é que posso falar com o Dr. Jones?

– Mais logo. Vamos contactá-lo e informá-lo que já acordou.

Quando o Dr. Jones chegou, Fedra tinha acabado de acordar. Ainda muito cansada, e sedada, dormia muito.

– Boa tarde, Fedra, como se sente? – perguntou, carinhosamente, enquanto se aproximava da cama.

– Estranhamente calma. Há muito tempo que não me sentia assim.

– É ótimo saber isso. O seu cérebro e o seu corpo já não aguentavam mais a pressão, nem o mal que lhes fazia continuamente.

– Pois, mas como sabe era muito difícil ficar sem beber. Começava a ouvir vozes, a tremer, a ver coisas, a reviver aquele dia. Os medicamentos não resolviam tudo o que o whisky conseguia.

– Eu sei, mas era uma questão de tempo. Não se pode tapar o sol com a peneira indefinidamente.

– Eu vi-o dentro da despensa com o Thunder ao colo. Estava parado a olhar para mim.

– O cérebro prega-nos muitas partidas. A Fedra sabe bem que o que viu é uma imagem projetada pela sua mente.

– Mas parecia tão real, por isso o meu coração não aguentou e desmaiei.

– O seu coração não aguentou a quantidade de barbitúricos que ingeriu, porque, para além dos que lhe recomendei, a Fedra tomou muitos mais, juntamente com álcool. Eu temia que isto acontecesse. Parecia que estava a adivinhar e, por isso, liguei-lhe. Na última consulta, pareceu-me bastante mais perturbada, quando deveria estar a acontecer o inverso. Felizmente, chegámos a tempo de a poder salvar e recuperar, com esta desintoxicação e o coma.

– Mas acha que tudo o que vi e senti nestes últimos meses é apenas fruto da minha imaginação?

– Não digo que seja tudo, tudo, mas…

– O gato que aparecia com as ratazanas mortas?

– Creio que não, Fedra – disse, compassivamente.

– E o filho da viúva, que tenho quase a certeza que a envenenou? A vizinha da frente morreu mesmo, certo?

– Sim, certo, mas achar que o filho a envenenou, não me parece. Devia deixar isso de lado. A velhota já morreu, não há muito a fazer.

– Pois, tem razão, Dr. Jones, mas eu tenho quase a certeza do que ele lhe fez. Eu vi a mudança no aspeto e na saúde dela, e isso só aconteceu quando ele lhe começou a pôr umas gotas no chá, todos os dias.

– A Fedra acha, mas não tem a certeza. As gotas podiam ser um remédio que ela precisava de tomar.

– Ele queria a casa para a vender e receber o dinheiro rapidamente.

– Não sabemos – continuou, pacientemente, o médico.

– Se eu falasse com a Polícia, eles podiam investigar a morte dela; podia ser que encontrassem o veneno…

– Fedra, agora preocupe-se consigo, em recuperar e sair daqui. Devia vender a sua casa e mudar-se para outro lugar. Pense nessa possibilidade, fazia-lhe bem. Além disso, não tem provas, e, mesmo que fosse testemunhar, dizendo o que viu, seria sempre desacreditada, em tribunal, devido à sua condição psicológica e à medicação que toma.

– Pois é, infelizmente tem razão. Obrigada e desculpe por todo o trabalho que lhe dou.

– Ora essa, estou aqui para a ajudar. Vamos fazer algumas sessões de terapia aqui no hospital, antes de ter alta, para nos certificarmos de que está realmente bem.

Os dias foram passando e Fedra começou a comer, a fazer alguns exercícios e caminhadas, em redor dos jardins do hospital psiquiátrico, sempre acompanhada por uma enfermeira. Começou a ter sessões de terapia de grupo, além das individuais com o Dr. Jones e um psiquiatra.

Foi aceitando a dor da perda do marido e do Thunder, e deixando de se culpabilizar. Fez algumas regressões, através de hipnose, e conseguiu despedir-se de Leonard. Era importante perdoar-se e seguir em frente com a vida. Libertar-se das amarras que a prendiam àquele acontecimento e a impediam de trabalhar, de sair de casa, de viver.

O marido sempre fora um homem depressivo e com baixa autoestima, principalmente depois de descobrir que era infértil e que nunca a poderia engravidar. Fedra tinha tido dificuldade em esconder a deceção, quando foram juntos ao médico saber o resultado dos exames. A semana seguinte fora difícil. O sonho de uma vida caíra por terra e o marido teve, nessa altura, que a acarinhar mais, desfazendo-se em desculpas constantes. Chegou a sugerir-lhe o divórcio, para que ela pudesse encontrar outra pessoa e constituir a grande família que idealizara, desde criança. Não era uma decisão fácil, ela amava-o e não queria outra pessoa.

O tempo foi passando e foi surgindo uma brecha. A comunicação passou a ser mais superficial e a dor que os dois sentiam foi varrida para baixo do tapete. Leonard reconhecia o peso da responsabilidade e foi-se afundando em medicação antidepressiva. O trabalho foi sendo feito de maneira automatizada e cada vez mais desleixada; quando houve uma reestruturação na empresa, ele foi um dos convidados a sair. Deprimido, em casa, achando-se cada vez menos válido, menos prestável, menos homem, foi criando uma bolha de angústia, cada dia mais espessa. Fedra, nessa época, decidiu adotar um gatinho – o Thunder – todo preto, com um raio branco pintado entre os olhos, veloz como um relâmpago. Os dois passavam a maior parte do tempo em casa, enquanto Fedra ia trabalhar. No início, parecia que a alegria e os risos tinham voltado com as brincadeiras do felino, mas, assim que o gato se tornou mais velho e pachorrento, a casa voltou a afundar-se num impenetrável silêncio.

A partir de determinada altura, Leonard começou a desenvolver uma obsessão por armas e várias formas de se morrer. Passava muito tempo em frente ao computador e lia livros, que Fedra considerava macabros. Mudaram de psicólogo e psiquiatra, mas os resultados positivos não chegavam. Um dia, ele mostrou-lhe um revólver. Tinha-o comprado com a desculpa de os manter seguros. Fedra desconfiou, demonstrou-lhe o seu desagrado, mas pouco mais. Não o obrigou a desfazer-se da arma. Nessa altura, falavam ainda menos e, apesar de ainda dormirem juntos, não se tocavam.

Um dia, ao chegar a casa, deu com ele morto na despensa. Dera um tiro ao gato e a seguir na sua cabeça. Foi horrível. Gritou, chorou e aquela imagem, envolta em sangue, nunca mais a abandonou. Passou a persegui-la, de noite e de dia. Começou a ter acompanhamento psicológico e depois psiquiátrico. Principiou a beber álcool, diariamente, e a ter alucinações. Deixou de respeitar a dose de comprimidos prescrita e aumentou o consumo de bebidas alcoólicas, cada vez mais fortes. Sem essa mistura, não conseguia dormir. Sentia-se culpada pela morte do marido. Tinha permitido essa infelicidade. Achava que podia ter-lhe dado mais atenção e evitado, se não tivesse ficado tão fria. Desistira do casamento e ele desistira de viver.

Passados três meses de internamento, teve alta hospitalar.

Sentia-se bem, estava um lindo dia de primavera e já havia decidido mudar de casa. Tinha-a colocado à venda. Era tempo de mudança, de sair e de viajar. Iniciar uma nova vida. Iria manter alguma medicação e consultas de vigilância.

Já dentro do carro, com tudo arrumado, viu o filho da viúva à janela. A placa que anunciava a venda já havia sido retirada. Ele espreitava quieto; parecia aguardar a chegada de alguém, mas podia ser impressão dela.

Fedra arrancou e na estrada cruzou-se com um carro que lhe pareceu familiar. Foi seguindo, lentamente, enquanto o observava pelo espelho retrovisor. O veículo estacionou em frente à sua casa e um homem de gabardine pérola saiu, atravessou a estrada e entrou no prédio da viúva. Para seu espanto, o sujeito era o Dr. Jones!

FIM

Livro à venda nos locais habituais.

Trail Ferreira do Zêzere 19k

De vez em quando não penso naquilo em que me meto. Deve ser a minha veia sonhadora e aventureira juntamente com o meu alheamento habitual do mundo real.

Pois, então, inscrevi-me num trail de 19kms, distância que nunca tinha percorrido. A intenção era a caminhada de 12kms, mas como já estava esgotada quando vi, arrisquei. Sem pensar, é óbvio! Porque o trail de 19kms, além de ser mais longo, é suposto fazer a correr, coisa que não faço. Ou melhor, andei a tentar, um pouco, mas em estradas de alcatrão e planas. E isto era o quê? Completamente o oposto!

Tinha subidas íngremes cheias de pedras, pedrinhas, pedregulhos, lajes pontiagudas, algumas soltas, silvas, lama, riachos para atravessar, pontes, descidas em terra perigosas com cordas ou tinha de arrastar o rabo no chão; a partir de certa altura, com cãibras e os ténis ensopadas a fazer “ploch ploch”.
Caí uma vez, ia caindo umas 500, torci os dois pés, à vez, e terminei ao fim de três dias 😅 Quase.

Aspetos positivos: é uma zona lindíssima, com vistas deslumbrantes, não precisei fazer chichi (tal o suor perdido), não desmaiei, não vomitei, não me saltou nenhuma unha, nem fiquei com bolhas; alguns obstáculos foram muito fixes de ultrapassar e a sensação de superação é ótima. Não desisti e, mesmo depois de a minha alma me ter abandonado, consegui cortar a meta. Graças também ao meu amor que aturou o meu mau humor, asneiradas e me deu, literalmente, a mão umas quantas vezes.
Ah, ainda reencontrei uma ex-colega que já não via há mais de 17 anos!
Venha o próximo!

5inco 5ontos te 5onto

Faz, amanhã, seis meses que lancei o meu último livro: “Cinco Contos Te Conto”.

Cinco historias que nos tocam sempre de alguma forma e nos fazem viajar pelo mundo real e pelo imaginário.

Estou muito feliz pelo alcance que tem tido e pelo feedback positivo que tenho recebido de muitos leitores.

Para celebrar, irei disponibilizar, amanhã, o primeiro conto: “Sozinha”.
Poderá ser lido gratuitamente aqui, no meu blogue.

As pessoas felizes leem e bebem café

Terminei de ler “As pessoas felizes lêem e bebem café”.

Um livro que me atraiu, num dia a deambular por uma livraria, e que apenas comprei por causa do título. Já estava há algum tempo na minha estante a aguardar.

Não sabia bem a história que me esperava, mas estava sequiosa de beber um livro e decidi dar, ontem, a vez às “Pessoas…”. Terminei hoje!

Há muito tempo que não lia um livro tão depressa. E é o que mais adoro: quando uma história nos agarra e já não nos deixa.

Não é o meu género literário preferido; não tem enigmas, mistérios, mortes e crimes por desvendar, mas está muito bem escrito. É simples, fácil de ler, tem poucas personagens e queremos muito que a Diane supere a sua tristeza e raiva.

Depois de perder o marido e a filha de cinco anos, num acidente de automóvel, viver torna-se a maior tormenta desta mulher.

Diane decide fugir de Paris, onde morava e tinha um negócio – um café literário, cujo nome dá o título ao livro, e refugia-se numa pequena aldeia perdida na Irlanda.

Mais não conto senão estraga a piada para quem o quiser ler.

Quem já leu, o que achou?

Treinar as emoções para ser feliz

“Treinar as emoções para ser feliz” é o título de um livro do fantástico psiquiatra, psicoterapeuta, cientista e escritor Augusto Cury, e é o tema do meu último artigo escrito para o Repórter Sombra.

“A cada dia que passa, a ideia de sermos felizes parece ficar mais distante. Se há dias, ou momentos, de paz e alegria, logo a seguir somos invadidos por céus negros e tempestades. Quando algo começa a entrar nos eixos, parece que outros se desencaixam e descarrilam. Como areia nas mãos, a felicidade foge-nos por entre os dedos. «Os poetas homenagearam-na, os romancistas descreveram-na, os filósofos contemplaram-na, mas grande parte deles saudaram-na apenas de longe.»
….
Este conhecimento, e muito mais, está disponível na obra de cento e sessenta e uma páginas repletas de experiências, ilustrações, histórias, lições e conselhos que visam ajudar-nos a reprogramar as nossas vidas transformando-as para melhor.
Ler é saber, saber é poder!“

Artigo completo aqui:

https://reportersombra.com/treinar-as-emocoes-para-ser-feliz/

Dia Mundial do Livro

Ontem, Dia Mundial do Livro, tive o privilégio de apresentar os meus três livros aos artistas da Apoiarte – Casa do Artista .

Foi uma tarde fantástica, em que saí mais rica e de coração cheio. A actriz Manuela Maria ainda me emocionou com um poema que declamou olhando sempre nos meus olhos🥹💖Que dom! 🙏🏼

A arte: a literatura, a pintura, a música, o teatro, a revista, o cinema, a dança, a escultura, a fotografia são as cores que enriquecem a nossa vida e nos permitem sonhar, viajar e voar sem sair do nosso lugar.

Vamos apoiar mais todas as iniciativas culturais e a literatura nacional! Merecem e têm poucos apoios e recursos.

Quanto a mim, sinto-me privilegiada por ter estado a falar sobre livros e poesia com pessoas que tanto deram ao nosso país e que têm uma experiência e sabedoria muito superior à minha. Com eles só temos a aprender e a agradecer pelo seu contributo às artes nacionais.

Obrigada Ricardo Madeira pelo convite, simpatia e carinho com que me receberam; obrigada amigo Jaime R Ferreira que, através da Amarte, proporcionou este encontro 🙏🏼❤️

Será?

O dia chegará
Bocas podres serão silenciadas
A verdade prevalecerá
Mentiras
Falsidade
Ódio
Inveja
Todos terão o seu quinhão

Diz que disse
Diz que viu
Diz que fez

Será?
Quem conta um conto
acrescenta um ponto

Aguardemos.

O dia chegará
A luz trará à tona
E o tempo dirá

Todos aqueles
que com raiva
tentam destruir
Santos pregam ser
Batem no peito iluminação
E de Deus usurpam o poder

Infelizes
Pobres
Pois apenas
almejam
livres ser